BUSHIDO, O Caminho do Guerreiro
domingo, 17 de maio de 2020
O CARÁTER VISUAL DA POESIA JAPONESA
O caminho da caligrafia, ou shodô (書道, “o caminho da escrita”), surgiu na China, durante a
dinastia Han (202 a .C.
a 220 d.C.), e sempre esteve associado à poesia e à pintura. “É a caligrafia
que dá corpo ao poema”, escreve Leonardo Fróes, “tendo ela em si, já na feição
que os traços assumem, a capacidade de fixar estados de espírito” (in CAPPARELLI, Sérgio, e YUQI, Sun, 2012: 23). “Na mão do poeta”,
prossegue o autor, “enquanto ele raciocina em palavras que têm de adaptar-se a
uma forma, o pincel vai circular entre relaxamento e tensão, delicadeza e
vigor, para constituir seu dizer.” Deste modo, “poesia, caligrafia e pintura
são a rigor faces da mesma arte, não estando as três compartimentadas, e às
vezes um mesmo artista, caso de Wang Wei, se destaca como mestre em todas[1]”
(idem). A espontaneidade, a naturalidade, típicas das artes tradicionais
inspiradas pelo taoísmo e pelo zen-budismo, estão presentes também na
caligrafia. Conforme Viviane Alleton, “na China, o ato de escrever, longe de
ser uma ruptura do ‘estado de natureza’, está ligado ao sentimento da natureza.
Para muitos chineses, não há bela paisagem sem uma inscrição na pedra, poema,
dístico ou simples caractere” (idem, 94). No tratado clássico chinês Meng Tian bijing, é dito que “deve-se
conduzir o pincel até o fim, de uma maneira natural, como o peixe que nada com
facilidade na água. Escreve-se aqui com suavidade, ali com força (...), mas
sempre com a naturalidade das nuvens, espessas ou leves, que escalam o topo de
uma montanha” (idem). Já no livro Gu jin
shu ren you lue ping, afirma-se que “os caracteres escritos por Tchong You
assemelham-se à fênix que paira no ar ou às gaivotas que sobrevoam a superfície
do mar” (idem). Os caracteres caligrafados por Wang Xizhi são comparados, nessa
mesma obra, à “vivacidade de dragões impetuosos que saltam em direção ao céu ou
de tigres que percorrem as montanhas” (idem). Todas estas definições, embora
metafóricas, indicam a ação espontânea de uma arte “que explora a beleza e a
simplicidade espontâneas da linha”, onde “cada pincelada é desenvolvida pelo
movimento de decisão. As pinceladas não são passíveis de correção” (in SAITO, 2004: 29), assim como acontece no haicai (o que nos faz
recordar um adágio zen-budista citado pelo poeta norte-americano Allen
Ginsberg: “primeira ideia, melhor ideia”).
Segundo Gombrich, os artistas chineses buscavam “adquirir uma tal
facilidade no manejo do pincel e tinta que pudessem registrar a imagem enquanto
sua inspiração ainda estava fresca, à maneira de um poeta escrevendo seus
versos” (idem, 39).
O Japão
importou da China a arte da caligrafia e o alfabeto de ideogramas em meados do
século III d. C. e esta aquisição teve reflexos profundos na concepção e
estrutura visual de sua tradição poética, apesar das diferenças entre os dois
idiomas (conforme Donald Keene: “o gênio da língua japonesa era bem diferente
do chinês. Não só sujeito, predicado e objeto eram, até um grau,
indistinguíveis, e a pontuação inexistente, mas até o perfil das palavras era
borrado”. In LEMINSKI, 1983: 33). A caligrafia japonesa, exercida inicialmente
pelos sacerdotes budistas, desenvolveu-se no final do Período Asuka (538 a 710 d. C.) e a mais
antiga peça escrita em papel é o Hokke
Gisho (法華義疏), conjunto de quatro
rolos com comentários sobre o Sutra Hokke,
datado de 615 d.C. No final do Período
Heian (794-1185), conforme Cecília Noriko Ito Saito, “surgiram manuscritos
executados em folhas de papel, cortados em forma de leques, que sintetizavam a
caligrafia e a pintura” (SAITO, 2004: 15). Ao contrário da
arte visual religiosa tradicional, nesses manuscritos “os motivos eram
determinados pela iconografia” (idem), libertando-se dos “laços ritualísticos”
(idem). Nesse período, os calígrafos já não eram monges-pintores, mas artistas
leigos que preferiam retratar cenas mundanas. Desenvolveram-se três estilos
básicos de caligrafia: kaisho ou shinsho, “um estilo que apresenta
quebras e movimentos duros” (idem, 19), gyosho,
“estilo mediano, de letra cursiva, que não se apresenta tão duro quanto o kaisho” (idem) e sosho, “estilo fluido composto por cursos rápidos”, que por sua
beleza se tornou “o estilo mais popular entre os mestres da caligrafia” (idem).
Com o passar do tempo, a arte do shodô
passou a fazer parte da vida cotidiana dos japoneses, sendo utilizada na decoração
da sala de chá ou no tokonoma (床の間), nicho
especial de um aposento decorado com uma caligrafia ou pintura e arranjos
florais. Os instrumentos utilizados tradicionalmente pelos mestres japoneses de
caligrafia são o pincel feito com cerdas de pêlo de coelho[2]
(筆, fudê), a tinta feita à
base de carvão em óleo vegetal (墨, sumi, usado na pintura sumiê)
e ainda o papel feito com fibra de bambu, palha ou bagaço de bananeira (和紙, washi). Os calígrafos utilizavam ainda uma esteira macia e
absorvente, colocada abaixo do papel (下敷き,
shitajiki), pequenos pesos em forma de barras, para segurar o papel
(文鎮 , bunchin) e o suporte para a tinta (硯, suzuri).
A realização da caligrafia é bastante ritualizada, desde a preparação da tinta
até a execução do pincel e envolve gestualidade e improvisação. “Existe algo de
instância não determinada, não pronta e que se resolve no instante de sua
execução”, escreve Cecília Noriko Ito Saito (idem, 102). “Esta é a
característica-chave do shodô. Quando
um indivíduo pratica o shodô, realiza
algo nesse processo, através da ação do seu corpo[3]”
(idem). A importância da gestualidade na escrita e na caligrafia permite o
paralelo, estabelecido por Saito, entre o shodô
“e alguns artistas da vanguarda, mais exatamente Jackson Pollock” (idem, 39).
Conforme a estudiosa brasileira, em seu livro O shodô, o corpo e os novos processos de significação:
Os novos artistas-investigadores consideravam
a pintura, o esboço e o quadro como uma ação, e, como tal, a primeira ação
deveria ser a melhor. Nada poderia obstruir a ação de pintar. O que importava
era a revelação contida no ato. Traçando um paralelo de similaridade com o
artista que trabalha o shodô, a
perfeição da pincelada que não permite correção indica a valoração da primeira
ação (idem).
Na França, o estilo do expressionismo abstrato ou Action painting, caracterizado por
pinceladas espontâneas, borrões e respingos de tinta, compondo superfícies
ásperas e assimétricas na tela, foi chamado de tachismo, palavra derivada do termo francês tache, que significa “mancha”. Nos Estados Unidos, Jackson Pollock
(1912-1956) foi o primeiro artista plástico que se interessou por essa técnica
de aplicação de tinta, “e, como na caligrafia chinesa, suas pinturas deveriam
ser feitas de uma forma rápida e não-premeditada. Na maioria das vezes, o
pintor colocava suas telas no chão, arremessando as tintas sobre ela para
descobrir novas configurações” (idem, 40). Conforme Saito, “Pollock desenvolve
qualidades rítmicas neste método de respingamento ao acaso. Nesse processo, as
mãos do artista não são determinantes, sendo a variedade das formas das linhas,
elas próprias, dotadas de uma linguagem individual” (idem, 40). O calígrafo
japonês, por seu turno, “interessa-se pelo ritmo da linha e é através dele que
a energia é controlada. Na medida em que o trabalho é executado, o ritmo
penetra inteiramente nos movimentos do corpo, braço e pincel, tornando-se uma
base inconsciente que o capacita a soltar-se livremente” (idem). Não se trata,
diz a estudiosa brasileira, de uma “repetição mecânica de pinceladas, mas sim
uma peça viva que responde aos impulsos criativos do momento. A linha apresenta
fluidez e oferece uma grande diversidade de expressão”, comentário que podemos
estender tanto a Pollock quanto a Ono no Michikaze (894-966), um dos maiores
calígrafos japoneses, que viveu durante o Período Heian. As similaridades entre
a caligrafia artística japonesa e o expressionismo abstrato podem ser ampliadas
até as experiências poéticas de autores portugueses que investiram na
composição visual, como Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro, expoentes do
movimento da Poesia Experimental.
Estudamos, no
presente capítulo, os gêneros poéticos mais praticados na literatura japonesa
entre os séculos VIII e XIX, com ênfase particular em seus aspectos
estruturais, referências culturais e a íntima relação entre poesia, caligrafia
e pintura, que fascinarão os poetas portugueses na segunda metade do século XX.
No capítulo seguinte, iremos rastrear o diálogo cultural entre os autores
portugueses e a cultura japonesa desde os relatos de viajantes do século XVI
até os livros memoráveis de Wenceslau de Moraes, primeiro tradutor do haicai
para a língua portuguesa.
[1] Conforme Cecília Noriko Ito Saito, “à luz
da Semiótica da Cultura, a polêmica instaurada pela história, que via o shodô ora como escrita, ora como
pintura, praticamente desaparece, uma vez que tanto pintura como caligrafia
seriam textos da cultura. (...) Metaforicamente, assemelha-se” (o texto) “a uma
rede que transmite a imagem de algo que cresce, expande e se desenvolve, onde a
inscrição do autor é lúdica. O texto é plural, não tem centro, nem fechamento e
não depende de uma interpretação (...) O semioticista Cesare Segre (1989: 152)
diz que a palavra textus firmou-se na
língua latina como particípio passado de texere,
metáfora do discurso como um tecido que se atualizou não permanecendo apenas
como vocabulário.“ (SAITO, 2004: 23).
[2] “Os tipos de pêlos de animais, utilizados
nos pinceis, trazem resultados diversos quanto à elasticidade. Alguns absorvem
mais tinta, alguns liberam mais, e cabe ao calígrafo decidir qual é aquele
apropriado para um trabalho específico. Ao contrário de se usar uma pena, o
pincel dos calígrafos reserva mais controle na espessura e no tom dos
caracteres. Os artesãos hábeis fabricam seus próprios pinceis,
experimentando-os conforme seus efeitos.” (idem, 102)
[3] Com
efeito, segundo Shutaro Mukai, professor da Musashino Art University, os
próprios ideogramas “são associados com o sentido do tato ou a sensação física”
(in CAMPOS: 2000, 18) e evocam, para o japonês, “a memória dos movimentos
musculares envolvidos no ato de escrever” (idem, 19).
sexta-feira, 26 de abril de 2019
BOJUTSU: A ARTE DO BASTÃO LONGO
Claudio Daniel
O Bojutsu, ou arte do bastão longo, é uma prática marcial
japonesa que utiliza o bastão longo, ou bô, que tem cerca de 1m80 (o bastão
curto, ou jô, utilizado em outras técnicas, como o Jojutsu e o Jodô, tem cerca de 1m20). Os movimentos
de bastão são rápidos, ágeis, amplos e vigorosos, ao mesmo tempo que têm grande
beleza estética, como se fossem movimentos coreográficos. A arte de manejar o
bô nasceu na ilha de Okinawa, com a adaptação de uma ferramenta de trabalho,
usada para o transporte de baldes de água, em um instrumento para a proteção
dos camponeses dos incessantes ataques dos piratas (o uso de espadas ou outras
armas era proibido pelas autoridades da ilha).
A arte atingiu um grau elevado de refinamento nos períodos Azuchi-Momoyama (1573-1603) e Edo (1603-1868). No século XX, Gichin Funakoshi, o criador do Karatê moderno, levou o Bojutsu para as grandes cidades japonesas e o estilo tradicional ensinado por ele, ou Ryukyu Bojutsu, chegou até o sensei Hiroyuki Aoki, que transformou o Bojutsu numa técnica mais fluída e flexível, como se fosse uma dança, mas sem perder a função marcial dos movimentos.
O novo estilo da arte desenvolvido por Aoki incorporou práticas meditativas e um sentido filosófico, a partir dos estudos que ele realizou tanto das tradições orientais quanto do cristianismo e também de diferentes linguagens artísticas, como o jazz fusion, a dança ocidental moderna e a pintura expressionista abstrata de Jackson Pollock. A arte desenvolvida por Aoki Sensei chamou-se Shintaidô Bojuntsu e possui um caráter espiritual que a diferencia de outras modalidades, mais voltadas às competições, ao aspecto combativo ou ao mero domínio formal.
O Shintaido, nas palavras de Aoki, é “uma forma de trabalho corporal que faz com que se torne possível perceber o seu verdadeiro eu, purificar a alma e elevar o espírito”, além de desenvolver a sensibilidade, ampliando a percepção que temos de nosso próprio corpo, dos sons, imagens, cheiros e dos movimentos que acontecem à nossa volta, tornando-nos mais conscientes e atentos.
Aoki Sensei realizou diversas mudanças em seu estilo de Bojutsu após viajar pela América Central, Andes e Brasil, onde conheceu, inclusive, comunidades indígenas que também usam bastões em seus rituais. Fascinado pela beleza natural brasileira e latino-americana, diz Aoki, “decidi tentar criar um sistema de luta que tivesse algo em comum com a grandeza dessas paisagens e, ao mesmo tempo, estivesse imbuído do aspecto profundamente natural da nossa humanidade. Com isso em mente, eu revisei completamente o Bojutsu que eu havia desenvolvido até aquele ponto, e consegui torná-lo um sistema mais rico”.
Em 1978, após retornar ao Japão, o mestre passou por uma nova e extraordinária experiência: todas as noites, sonhava que um homem armado com um bastão o atacava, e ele via um outro eu sair de seu corpo e lutar com o atacante, usando técnicas que ele nunca tinha visto. Depois de algum tempo, passou a anotar todas as técnicas que viu em sonhos, e assim registrou 50 delas, chamadas nage wazas, que incorporou ao seu estilo, tornando-o ainda mais completo.
A arte desenvolvida por Aoki chegou ao Brasil graças ao seu discípulo Yamato Hiramatsu, que também ensinou aqui o Kenjutsu, ou arte da espada samurai, a caligrafia tradicional shodô, o Karatê e outras artes japonesas. Yamato Sensei modificou o estilo criado por Aoki, preservando suas técnicas fundamentais, porém incorporando descobertas de suas próprias pesquisas pessoais e aumentando ainda mais o seu caráter fluido, originando o atual Shindoryu Bojutsu.
Atualmente, essa arte é ensinado em São Paulo pelo sensei Ruben Espinoza, da Associação Hiramatsu-ryu, discípulo dos senseis Aoki e Yamato. As aulas dessa arte acontecem todas as sextas-feiras pela manhã, numa quadra localizada perto da estação de metrô Conceição (a partir de junho, também aos sábados, no Parque do Ibirapuera) e incluem exercícios físicos preparatórios, chamados de kihons, técnicas de ataque e defesa com o bastão realizadas individualmente, conhecidas como katás, e ainda exercícios feitos em dupla, ou kumibô, em que um praticante realiza o ataque com o bastão e o outro executa a defesa.
Todas as técnicas são executadas, a princípio, com velocidade moderada, até que cada aluno ganhe autoconfiança e domínio técnico; em seguida, o ritmo e o vigor físico das técnicas vai aumentando, já que se trata de uma arte marcial combativa.
Conforme diz o sensei Ruben Espinoza, o Shindoryu Bojutsu pode ser praticado por todas as pessoas interessadas, inclusive mulheres, idosos e crianças, pois, além de seu aspecto marcial, é também uma arte meditativa e terapêutica, que traz diversos benefícios para os sistemas respiratório, sanguíneo, muscular, nervoso, além de estimular a nossa sensibilidade e fortalecer a capacidade de atenção e concentração.
A arte atingiu um grau elevado de refinamento nos períodos Azuchi-Momoyama (1573-1603) e Edo (1603-1868). No século XX, Gichin Funakoshi, o criador do Karatê moderno, levou o Bojutsu para as grandes cidades japonesas e o estilo tradicional ensinado por ele, ou Ryukyu Bojutsu, chegou até o sensei Hiroyuki Aoki, que transformou o Bojutsu numa técnica mais fluída e flexível, como se fosse uma dança, mas sem perder a função marcial dos movimentos.
O novo estilo da arte desenvolvido por Aoki incorporou práticas meditativas e um sentido filosófico, a partir dos estudos que ele realizou tanto das tradições orientais quanto do cristianismo e também de diferentes linguagens artísticas, como o jazz fusion, a dança ocidental moderna e a pintura expressionista abstrata de Jackson Pollock. A arte desenvolvida por Aoki Sensei chamou-se Shintaidô Bojuntsu e possui um caráter espiritual que a diferencia de outras modalidades, mais voltadas às competições, ao aspecto combativo ou ao mero domínio formal.
O Shintaido, nas palavras de Aoki, é “uma forma de trabalho corporal que faz com que se torne possível perceber o seu verdadeiro eu, purificar a alma e elevar o espírito”, além de desenvolver a sensibilidade, ampliando a percepção que temos de nosso próprio corpo, dos sons, imagens, cheiros e dos movimentos que acontecem à nossa volta, tornando-nos mais conscientes e atentos.
Aoki Sensei realizou diversas mudanças em seu estilo de Bojutsu após viajar pela América Central, Andes e Brasil, onde conheceu, inclusive, comunidades indígenas que também usam bastões em seus rituais. Fascinado pela beleza natural brasileira e latino-americana, diz Aoki, “decidi tentar criar um sistema de luta que tivesse algo em comum com a grandeza dessas paisagens e, ao mesmo tempo, estivesse imbuído do aspecto profundamente natural da nossa humanidade. Com isso em mente, eu revisei completamente o Bojutsu que eu havia desenvolvido até aquele ponto, e consegui torná-lo um sistema mais rico”.
Em 1978, após retornar ao Japão, o mestre passou por uma nova e extraordinária experiência: todas as noites, sonhava que um homem armado com um bastão o atacava, e ele via um outro eu sair de seu corpo e lutar com o atacante, usando técnicas que ele nunca tinha visto. Depois de algum tempo, passou a anotar todas as técnicas que viu em sonhos, e assim registrou 50 delas, chamadas nage wazas, que incorporou ao seu estilo, tornando-o ainda mais completo.
A arte desenvolvida por Aoki chegou ao Brasil graças ao seu discípulo Yamato Hiramatsu, que também ensinou aqui o Kenjutsu, ou arte da espada samurai, a caligrafia tradicional shodô, o Karatê e outras artes japonesas. Yamato Sensei modificou o estilo criado por Aoki, preservando suas técnicas fundamentais, porém incorporando descobertas de suas próprias pesquisas pessoais e aumentando ainda mais o seu caráter fluido, originando o atual Shindoryu Bojutsu.
Atualmente, essa arte é ensinado em São Paulo pelo sensei Ruben Espinoza, da Associação Hiramatsu-ryu, discípulo dos senseis Aoki e Yamato. As aulas dessa arte acontecem todas as sextas-feiras pela manhã, numa quadra localizada perto da estação de metrô Conceição (a partir de junho, também aos sábados, no Parque do Ibirapuera) e incluem exercícios físicos preparatórios, chamados de kihons, técnicas de ataque e defesa com o bastão realizadas individualmente, conhecidas como katás, e ainda exercícios feitos em dupla, ou kumibô, em que um praticante realiza o ataque com o bastão e o outro executa a defesa.
Todas as técnicas são executadas, a princípio, com velocidade moderada, até que cada aluno ganhe autoconfiança e domínio técnico; em seguida, o ritmo e o vigor físico das técnicas vai aumentando, já que se trata de uma arte marcial combativa.
Conforme diz o sensei Ruben Espinoza, o Shindoryu Bojutsu pode ser praticado por todas as pessoas interessadas, inclusive mulheres, idosos e crianças, pois, além de seu aspecto marcial, é também uma arte meditativa e terapêutica, que traz diversos benefícios para os sistemas respiratório, sanguíneo, muscular, nervoso, além de estimular a nossa sensibilidade e fortalecer a capacidade de atenção e concentração.
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
OS CINCO ELEMENTOS NA CULTURA JAPONESA
Sensei Ruben Espionoza
Godai (os cinco grandes)
são a representação do divino na Natureza, ele está em tudo e tudo está em nós.
Terra – Em japonês,
Chi. Aos estudantes de língua japonesa, não confundir com tsuchi. São kanjis
diferentes. Representa a energia sólida, a matéria.
Fogo – Em japonês, Hi.
Representa a energia em movimento. Está associado aos impulsos e desejos.
Vento – Em japonês,
Kaze. Representa a energia em expansão, o que está em crescimento. Associa-se à
mente e ao conhecimento, à capacidade de expansão mental.
Água – Em japonês,
Mizu. Representa a energia que flui, o que não tem forma. Está associada à
capacidade de se adaptar às mudanças.
Vazio – Em japonês, Sora, também
significa “Céu”. Representa tudo o que envolve a experiência. Está associado ao
espírito, ao impulso inicial, à energia necessária à criação de todas as outras
coisas relacionadas aos outros elementos.
sexta-feira, 14 de setembro de 2018
KENJUTSU, A ARTE DA ESPADA SAMURAI
O Kenjutsu, a arte da espada samurai, nasceu
no período medieval japonês, tendo se desenvolvido a partir do Período
Muromachi (séculos XV e XVI), quando surgiram os principais estilos dessa arte,
voltada ao emprego nos campos de batalha. A espada utilizada pelos guerreiros
japoneses, conhecidos como samurais, era a kataná, lâmina de aço curva surgida
no Período Heian (794-1185), levada na cintura ao lado de uma espada menor, a
kodachi. O combate com a espada era usado sobretudo nas lutas contra
adversários localizados a curta distância, apoiando a ação da cavalaria, dos
arqueiros e dos soldados de infantaria armados com lanças. As táticas e
estratégias militares, as armas e equipamentos de proteção desenvolvidos nos
feudos japoneses eram essenciais numa época em que o Japão esteve envolvido em
conflitos entre os senhores da guerra locais e contra países vizinhos. Apesar
do caráter guerreiro da arte da espada, ela estava relacionada com um rigoroso
código de ética, chamado bushidô (“o caminho do guerreiro”), influenciado por
ideias filosóficas de Confúcio e do taoísmo chinês. O samurai não era um
simples soldado, mas um guerreiro refinado, que dedicava sua vida à defesa de
seu mestre e dos valores e princípios de uma sociedade aristocrática em que a
etiqueta, a beleza e a busca da perfeição estavam presentes em todos os campos
da vida social. Com a unificação do país pelo xogum Ieyasu Tokugawa, no século
XVII, o Japão conheceu um período prolongado de paz e a classe dos guerreiros ingressou
na administração pública. As artes de combate foram então reformuladas, tendo como
objetivos, agora, não apenas matar adversários na guerra, mas promover a paz
interior, a realização espiritual, a preservação da saúde e da energia interna
e estimular virtudes como a honestidade, a justiça, a lealdade, o respeito, a
honra, a coragem e a compaixão. O bujutsu, ou artes da guerra, transformou-se
em budô, artes da paz, da harmonia, do equilíbrio e da espiritualidade. Esse
foi o espírito que animou as diversas artes tradicionais praticadas pela
aristocracia japonesa, como a caligrafia, poesia, pintura, cerimônia do chá ou teatro
nô, influenciadas pela filosofia zen-budista, seguida pelos samurais. A
combinação da prática marcial com o da literatura e outras artes ficou
conhecido como “o caminho combinado da caneta e da espada”. O Kenjutsu
tornou-se uma arte espiritual e meditativa, porém, sem perder o seu caráter
guerreiro e a sua eficiência. O ensino da arte passou a ser realizado em dojos,
sob os cuidados de um mestre, ou sensei, por meio do ensino de diversas
técnicas, ou katás, que são movimentos de ataque e defesa com a espada,
realizados em duplas – um aluno (tori) realiza o ataque com a espada, e outro
aluno (ukê) realiza a defesa, em diferentes sequências de movimentos. Em geral,
usa-se a espada de madeira, ou bokutô, ao contrário de outras artes da esgrima
japonesa, que utilizam a espada de bambu, ou shinái, ideal para competições
esportivas, como acontece no Kendô, ou a espada de aço sem corte, a Iaitô,
utilizada em artes de saque e guarda da espada, como o Iaijutsu e o Iaidô.
Todas essas artes provêm do amplo repertório das formas de utilização da espada
pelos guerreiros samurais, mas foram reformuladas para a prática nos tempos
modernos. Além do treino dos katás, que são diferentes nas várias escolas, há
exercícios preparatórios, conhecidos como kihons, que têm como finalidade
exercitar a flexibilidade, o relaxamento, a leveza, a agilidade, e sobretudo o
trabalho com a energia interna, ou ki, com os músculos brancos, pouco
estimulados em outras formas de prática corporal, e sobretudo o treino com a
cintura, ou koshi, base de todas as técnicas de Kenjutsu e de outras formas de
artes marciais japonesas, como o Aikidô. Há centenas de estilos dessa arte,
sendo que muitos deles se perderam, após a II Guerra Mundial. No Brasil, a
primeira arte marcial com a espada praticada no país foi o Kendô, um esporte de
competição que valoriza a velocidade, a força e a marcação de pontos, que
acontece quando um espadachim acerta a cabeça, o antebraço ou outro ponto do
corpo do adversário. Essa arte, praticada com equipamentos de proteção
corporal, inspirados na armadura samurai, segue regras específicas voltadas
para a participação em campeonatos e demonstrações esportivas. O Kenjutsu, que
chegou mais tarde ao país, não é um esporte: mantém o caráter marcial, por isso
mesmo não participa de campeonatos, nem possui um sistema de graduação desde a
faixa branca até a faixa preta, como acontece no Judô ou no Karatê. Seus
praticantes utilizam o dogui (quimono) e o obi (faixa) na cor branca, que no
Japão é a cor da morte – neste caso, não a morte física, mas a morte de um
antigo eu para o nascimento de um outro eu, mais sensível, receptivo, forte e saudável. Os objetivos do Kenjutsu na época atual,
segundo o sensei Ruben Espinoza, que ensina o estilo Hiramatsu-ryu em São
Paulo, são os seguintes: estimular a capacidade mental de concentração,
atenção, percepção, tomada de decisões, respeito e disciplina dos praticantes,
através do treino dos katás; aumentar a capacidade física de coordenação
motora, reflexos, velocidade, força, precisão e resistência; promover a saúde
física, mental e espiritual; e resgatar a arte da espada samurai antiga,
trazendo inovações nos treinos com influência das artes corporais modernas.
P.S.: O Kenjutsu Hiramatsu-ryu é uma arte
marcial espiritual de meditação em movimento que ajuda a desenvolver o espírito
do guerreiro interior através da arte, sem perder a eficiência técnica da arte
marcial samurai. O estilo foi trazido ao Brasil por Yamato Hiramatsu, que
estudou diversos estilos antigos, como o Shinkage-ryu, Tamiya-ryu e
Shinkenjutsu.
domingo, 19 de agosto de 2018
O TAI CHI COMO ARTE MARCIAL
O Tai Chi Chuan é mais conhecido por sua sequência de movimentos circulares,
lentos e suaves, que sugerem uma forma de dança, meditação, ginástica ou
prática energética e terapêutica, mas ele é também uma arte de combate, o que
está indicado em seu próprio nome – a palavra chuan, em chinês, significa punho, luta ou técnica marcial. Como
outras artes da Escola Interna (neijia),
porém, o Tai Chi não faz uso da força bruta, baseada nos ossos e músculos
vermelhos, mas da energia interior, chamada chi
(ou ki, em japonês) e utiliza
diversas técnicas que absorvem, transformam e devolvem a força do adversário
contra ele mesmo (assim como acontece, em formas diferentes, no Aikidô), fazendo
uso da flexibilidade, da respiração e das ações circulares ou espiraladas, em vez de gestos
pesados, rígidos e duros. Os movimentos do Tai Chi são lentos, no aprendizado,
mas também podem ser executados com muita rapidez, quando empregados para o
ataque ou a defesa. O treinamento marcial do Tai Chi Chuan acontece, sobretudo,
na prática de duas séries de exercícios, realizados com parceiro, que se chamam
Tui Shou (“pressão das mãos”) e San Shou (“dispersão das mãos”). Conforme
escreve Catherine Despeux no livro Tai
Chi Chuan, Arte Marcial, Técnica de
Longa Vida: “Estes exercícios a dois destinam-se, particularmente, à
aplicação dos movimentos de encadeamento no combate. Entretanto, ainda que não
trabalhemos o aspecto marcial do Tai Chi Chuan, tais exercícios oferecem
múltiplas vantagens. Citemos algumas: permitem-nos adquirir melhor coordenação
motora, aprender a perceber melhor o contendor e o modo com que nos colocamos
em relação ao mundo exterior e estimulam o interesse das pessoas que encontram
dificuldades no aprendizado de movimentos lentos, notadamente as crianças.
(...) Todos os exercícios de pressão das mãos têm por base os quatro movimentos
principais do Tai Chi Chuan, que correspondem aos quatro pontos cardeais e aos
quatro trigramas Quian, Kun, Kan e Li. São eles: aparar o golpe (peng), puxar para trás (lu), empurrar para a frente (ji) e repelir (an). (...) A escola Yang instaurou um encadeamento a dois (San Shou) no qual
um dos contendores faz um movimento do encadeamento do Tai Chi Chuan, ao passo
que o outro responde por outro movimento do Tai Chi Chuan, que será a defesa, e
assim por diante. Desse modo, se A executar o movimento ‘dar um soco’, B se defenderá
efetuando o movimento ‘erguer as mãos’. (...) Nesses movimentos, o ataque se
faz com a palma, o punho, o pulso, o cotovelo, o ombro, os joelhos e os pés. A resposta
a cada golpe do adversário efetua-se no momento de recepção do golpe, no
instante em que o adversário emite sua energia.”
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