O Kenjutsu, a arte da espada samurai, nasceu
no período medieval japonês, tendo se desenvolvido a partir do Período
Muromachi (séculos XV e XVI), quando surgiram os principais estilos dessa arte,
voltada ao emprego nos campos de batalha. A espada utilizada pelos guerreiros
japoneses, conhecidos como samurais, era a kataná, lâmina de aço curva surgida
no Período Heian (794-1185), levada na cintura ao lado de uma espada menor, a
kodachi. O combate com a espada era usado sobretudo nas lutas contra
adversários localizados a curta distância, apoiando a ação da cavalaria, dos
arqueiros e dos soldados de infantaria armados com lanças. As táticas e
estratégias militares, as armas e equipamentos de proteção desenvolvidos nos
feudos japoneses eram essenciais numa época em que o Japão esteve envolvido em
conflitos entre os senhores da guerra locais e contra países vizinhos. Apesar
do caráter guerreiro da arte da espada, ela estava relacionada com um rigoroso
código de ética, chamado bushidô (“o caminho do guerreiro”), influenciado por
ideias filosóficas de Confúcio e do taoísmo chinês. O samurai não era um
simples soldado, mas um guerreiro refinado, que dedicava sua vida à defesa de
seu mestre e dos valores e princípios de uma sociedade aristocrática em que a
etiqueta, a beleza e a busca da perfeição estavam presentes em todos os campos
da vida social. Com a unificação do país pelo xogum Ieyasu Tokugawa, no século
XVII, o Japão conheceu um período prolongado de paz e a classe dos guerreiros ingressou
na administração pública. As artes de combate foram então reformuladas, tendo como
objetivos, agora, não apenas matar adversários na guerra, mas promover a paz
interior, a realização espiritual, a preservação da saúde e da energia interna
e estimular virtudes como a honestidade, a justiça, a lealdade, o respeito, a
honra, a coragem e a compaixão. O bujutsu, ou artes da guerra, transformou-se
em budô, artes da paz, da harmonia, do equilíbrio e da espiritualidade. Esse
foi o espírito que animou as diversas artes tradicionais praticadas pela
aristocracia japonesa, como a caligrafia, poesia, pintura, cerimônia do chá ou teatro
nô, influenciadas pela filosofia zen-budista, seguida pelos samurais. A
combinação da prática marcial com o da literatura e outras artes ficou
conhecido como “o caminho combinado da caneta e da espada”. O Kenjutsu
tornou-se uma arte espiritual e meditativa, porém, sem perder o seu caráter
guerreiro e a sua eficiência. O ensino da arte passou a ser realizado em dojos,
sob os cuidados de um mestre, ou sensei, por meio do ensino de diversas
técnicas, ou katás, que são movimentos de ataque e defesa com a espada,
realizados em duplas – um aluno (tori) realiza o ataque com a espada, e outro
aluno (ukê) realiza a defesa, em diferentes sequências de movimentos. Em geral,
usa-se a espada de madeira, ou bokutô, ao contrário de outras artes da esgrima
japonesa, que utilizam a espada de bambu, ou shinái, ideal para competições
esportivas, como acontece no Kendô, ou a espada de aço sem corte, a Iaitô,
utilizada em artes de saque e guarda da espada, como o Iaijutsu e o Iaidô.
Todas essas artes provêm do amplo repertório das formas de utilização da espada
pelos guerreiros samurais, mas foram reformuladas para a prática nos tempos
modernos. Além do treino dos katás, que são diferentes nas várias escolas, há
exercícios preparatórios, conhecidos como kihons, que têm como finalidade
exercitar a flexibilidade, o relaxamento, a leveza, a agilidade, e sobretudo o
trabalho com a energia interna, ou ki, com os músculos brancos, pouco
estimulados em outras formas de prática corporal, e sobretudo o treino com a
cintura, ou koshi, base de todas as técnicas de Kenjutsu e de outras formas de
artes marciais japonesas, como o Aikidô. Há centenas de estilos dessa arte,
sendo que muitos deles se perderam, após a II Guerra Mundial. No Brasil, a
primeira arte marcial com a espada praticada no país foi o Kendô, um esporte de
competição que valoriza a velocidade, a força e a marcação de pontos, que
acontece quando um espadachim acerta a cabeça, o antebraço ou outro ponto do
corpo do adversário. Essa arte, praticada com equipamentos de proteção
corporal, inspirados na armadura samurai, segue regras específicas voltadas
para a participação em campeonatos e demonstrações esportivas. O Kenjutsu, que
chegou mais tarde ao país, não é um esporte: mantém o caráter marcial, por isso
mesmo não participa de campeonatos, nem possui um sistema de graduação desde a
faixa branca até a faixa preta, como acontece no Judô ou no Karatê. Seus
praticantes utilizam o dogui (quimono) e o obi (faixa) na cor branca, que no
Japão é a cor da morte – neste caso, não a morte física, mas a morte de um
antigo eu para o nascimento de um outro eu, mais sensível, receptivo, forte e saudável. Os objetivos do Kenjutsu na época atual,
segundo o sensei Ruben Espinoza, que ensina o estilo Hiramatsu-ryu em São
Paulo, são os seguintes: estimular a capacidade mental de concentração,
atenção, percepção, tomada de decisões, respeito e disciplina dos praticantes,
através do treino dos katás; aumentar a capacidade física de coordenação
motora, reflexos, velocidade, força, precisão e resistência; promover a saúde
física, mental e espiritual; e resgatar a arte da espada samurai antiga,
trazendo inovações nos treinos com influência das artes corporais modernas.
P.S.: O Kenjutsu Hiramatsu-ryu é uma arte
marcial espiritual de meditação em movimento que ajuda a desenvolver o espírito
do guerreiro interior através da arte, sem perder a eficiência técnica da arte
marcial samurai. O estilo foi trazido ao Brasil por Yamato Hiramatsu, que
estudou diversos estilos antigos, como o Shinkage-ryu, Tamiya-ryu e
Shinkenjutsu.